segunda-feira, 24 de abril de 2017

Olhos em Macron

Macron não é propriamente alguém que surge de fora do sistema. Tem história bastante de gabinetes e, sobretudo, de governo (há pouco tempo ainda era ministro da economia). A sua ascensão, todavia, deixa-nos algumas sugestões (pelo menos sugestões) e, não o escondo, preocupações (talvez a palavra mais justa seja ansiedades).
A primeira sugestão é a de que as democracias - mesmo as mais consolidadas e relevantes - estão disponíveis para a "bofetada" no sistema tradicional. Não fecham a porta a uma personalidade que surja sem entourage partidária, que desafie os inevitáveis directórios. Por muitos acasos que se tenham conjugado, não deixa de ser impressionante o percurso de Macron. E mais que impressionante, diria que pode ser inspirador.
A segunda sugestão é a da renovação. Não resisto ao sinal da idade. Por muito que insistam, alguém com 39 anos não é obviamente um jovem (em condições normais, é alguém com mais de 15 anos de vida profissional!). Mas em França como em tantos outros países, parecíamos reféns de personagens que nos entram pela casa adentro há mais de 20 anos!
Outra sugestão - talvez a que me saiba melhor registar - é a de que a façanha de Macron não se fica a dever a impulsos primários e populistas. Não permite os lugares comuns "cartão amarelo à Europa", ou "depois do Brexit e de Trump, agora é a vez de França". Fomos poupados a essa narrativa que só confunde.
Do lado das ansiedades está esta sensação de que Macron é, de facto, do sistema e que não transporta essa mudança ou essa nova interpretação do sentimento das pessoas. Fico, aliás, com a sensação de que erra no diagnóstico e que insiste nas receitas que afastam os políticos das pessoas (é desconcertante o jogo de propostas, que vai da redução de funcionários públicos, à redução da tributação das empresas e do peso das contribuições sociais, conjugado com mais investimento público, mais polícias - funcionários públicos... - e lugares nas prisões, incluindo a estafada agenda liberal em matéria de costumes). Posso ser eu, mas não encontro a novidade. E não encontro essa adesão às pessoas que se afastaram e que urge resgatar.
A outra ansiedade - que é uma derivada da anterior, e ao mesmo tempo a que mais me preocupa - é a de que Macron é o que for preciso ser. Não haverá por ali doutrina, convicção ou projecto que possamos antecipar. Posso estar errado, mas o movimento "en marche" é ainda um conjunto inconsistente de pessoas. E em tais circunstâncias, a distância para a desilusão é tendencialmente curta.

#Escritório

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