sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Do nojo

A descrição da carreira do chefe de gabinete do Secretário de Estado do Desporto que agora se demitiu (ou foi exonerado) é todo um programa. Está lá tudo. Digo-o sem qualquer prazer. Talvez o faça com pena, porque não diz bem de nós, do sistema em que vivemos e da nossa falta de exigência.

Reparem bem. O senhor (lamento não poder utilizar o «Dr.» que ele tanto valorizava) foi presidente da Associação Académica de Lisboa, mas nunca acabou qualquer curso – terá passado um ano por um e três por outro. Foi vice-presidente do Conselho Nacional de Juventude. Beneficiou de não sei quantos ajustes directos de serviços de consultoria e comunicação (um clássico). Acumula experiências soltas na assessoria de comunicação em gabinetes, sendo essas as únicas experiências de «trabalho» que conseguimos perceber. Gozava das prerrogativas e benesses do gabinete que chefiava sem qualquer senso e pudor. Aparentemente, geria sem apreensões outras actividades (de scouting para um clube de futebol, imagine-se!) em acumulação com as funções de chefe de gabinete. Mentiu descaradamente sobre o seu CV e, pelos vistos, o seu poder foi ao ponto de fazer rolar a cabeça de um Secretário de Estado e ser imposto a outro pelo Ministro (com uma espécie de jura de segredo até hoje).

A mentira é já um CV sobre o senhor. Achar que precisa de esconder que não tem qualquer licenciatura é outro.


Há tanta gente boa. Com e sem licenciatura. Com efectiva capacidade e disponibilidade para trabalhar. Até com vocação política e com vontade de serviço. É criminoso andarmos a preencher os lugares com gente desta. E quando me refiro a gente desta incluo os cúmplices deste nojo.

#Escritório

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Sobre João Lobo Antunes

Vale a pena dizer. Vou-me convencendo disso. Sem arrependimento. Cada um a seu jeito. Vale a pena deixar dito.
No dia em que parte – eu, que não o conheci – estou a vê-lo. Valeu a pena de certeza. A sua vida e este texto.

O meu irmão João
ANTÓNIO LOBO ANTUNES

É talvez a pessoa que conheço melhor no mundo e todavia quase não falamos. Para quê? São desnecessárias as palavras entre nós, passámos mais de vinte anos, acho eu, no mesmo quarto, num silencioso princípio de vasos comunicantes que até hoje se mantém. Para além do muito amor que raramente lhe manifestei tenho uma imensa admiração por ele e um orgulho sem limites. Herdou do nosso pai (herdaste do pai, sim, tem paciência) a honestidade, o carácter, a coragem e o horror à mentira. Desde criança foste sempre valente. Se assim à má fi la me ordenassem que dissesse duas características tuas respondia logo a valentia e o pudor, formas supremas da elegância. E isto desde que te conheço, tu que nasceste vinte meses depois de mim (o número vinte deu-lhe para me perseguir hoje) que era cobarde e despudorado e custou-me tanto ver-me livre dessa ganga nojenta, zangado de vergonha comigo. Foste sempre digno e discreto contigo mesmo e com os outros e bem sei, sem mo teres dito, as difi culdades e as dores que sofreste, a carne viva que escondes e eu vejo, a compaixão que não mostras e eu sinto. E a tua oculta e bondosa generosidade. O rigor também, a falta de complacência para com a ingratidão, a pulhice, os sentimentos rasteiros. Claro que tens defeitos: alguns divertem-me, outros enternecem-me, nenhum me incomoda, talvez por serem os defeitos das tuas qualidades da mesma maneira que um automóvel possui os travões adequados à potência do motor. Se fosse Deus não mudava grande coisa em ti: talvez trocasse um móvel de posição, alterasse uma jarra, substituísse um quadro. Na casa não mexia: agrada-me que seja como é. E depois claro que te foi dada uma inteligência superior e isso não vale a pena mencionar porque no meu caso não me serve de nada, ninguém é tão estúpido como um homem inteligente e muitas das asneiras que fi z conhece-las de ginjeira. Lembras-te da mãe - Tão inteligentes para umas coisas, tão estúpidos para outras mas eu canalizei tudo para a escrita, construí-me para isso e os teus interesses são mais variados que os meus. E no meio disto somos tão ingénuos ambos, sensíveis à lisonja, por vezes completamente parciais, cegos em relação aos amigos, de julgamento turvado quando os afectos se misturam nele. É curioso como, sendo diferentes, temos coisas idênticas. O pai não queria filhos, queria campeões de karaté. Conseguiu-os e o preço disso foi uma parte nossa amputada e uma sede de amor sem limites, em ti cuidadosamente escondida. A gaita é que eu sou desbocado e tu não, vivo nas nuvens e tu só às vezes, porque eu vivo nas nuvens e das nuvens e tu tens de confrontar-te com uma realidade imediata que te dá um peso específico maior que o meu e uma relação necessariamente pragmática com certos aspectos do quotidiano. Estou para aqui a escrever isto e a pensar na educação que recebemos, normativa, implacável, no limite da impiedade e da dureza. Quantas vezes nos revoltámos contra ela e, no entanto, que importante foi. Um pai que competia connosco e, mais tarde, te invejava. É terrível a relação do fi lho com o pai, julgando-se mutuamente numa ferocidade sem doçura. Nunca foi doce. Nem tolerante. Que egoísmo horrível naquele homem. E por baixo disso tudo uma vaidade em nós, ou antes uma vaidade nele dado imaginar (a imaginação não era o seu forte, nem o sentido de humor, nem a criatividade) que nos havia feito peça a peça e não fez. Não nos poupava mas poupava-se a si. Dito desta forma parece que lhe quero mal. Não quero. Só que não me acho em dívida: o preço foi alto. Levou a vida que quis, como quis, e impunha-nos à força a sua vontade. É curioso, João: dá-me pena que tenha morrido. Movia-se por paixões, entusiasmava-se e gostava de nós através das nossas filhas por lhe ser impossível amar-nos abertamente. E contudo, mau grado o que acabo de dizer, não duvido do seu amor e de um orgulho genuíno nos filhos, que fazia os possíveis por disfarçar. Estou a ser injusto, de longe em longe descuidava-se. E apesar do que afi rmo, gaita, era, é o nosso pai. Não esqueço as palavras de Herculano a propósito de Garrett que ele repetiu dúzias de ocasiões ao longo dos anos - Por meia dúzia de moedas o Garrett é capaz de todas as porcarias, menos de uma frase mal escrita ou da ordem de Filipe Segundo ao arquitecto do Escorial - Façamos qualquer coisa que o mundo diga de nós que fomos loucos e como esses dois preceitos se gravaram na gente. Isto foi importante para além do que declarei a teu respeito e herdaste dele de facto: a honestidade, o rigor e a coragem. É bom ser filho de um homem desta têmpera e essas qualidades nasceram contigo. Talvez com outro pai houvesses sido igual, não sei. Capaz de todas as porcarias menos de uma frase mal escrita: para mim foi um tiro na mouche. Em cheio. E estou-lhe grato por isso. Estou-lhe grato também pelos irmãos que foram aparecendo, a chorarem como uns danados até aos dois anos, raios os partam. À mãe igualmente claro, de quem a avó nos dizia - Vocês matam a vossa mãe numa convicção que me confundia. Via-nos a apunhalá-la com a faca do pão, a da serrilha grande, e ela a torcer-se na cozinha. Felizmente sobreviveu à faca e segue viva da costa. Agora, há uma semana, sucedeu aquilo do Pedro e de novo te admirei, mano, a tua efi ciência, a tua capacidade de decisão, o teu valor, a rapidez pragmática do teu afecto, eu que de pragmático, pobre de mim, nada tenho. Quando acabaste de operá-lo apeteceu-me beijar-te. Claro que não beijei mas sabes que beijei: és o meu irmão João. Aquele a quem me une um silencioso princípio de vasos comunicantes. E com que alegria repito isto dentro de mim: o meu irmão João. O meu irmão João para sempre.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Conservadorismo. Mas não só.

O meu querido amigo Francisco Mendes da Silva veio hoje dissertar – com a sua habitual elegância literária – sobre o conservadorismo em que se revê (este artigo no Jornal de Negócios). No caso, a incursão no tema servia para se apartar do estilo agora ensaiado pela novel primeira‑ministra britânica, Theresa May, que, segundo ele, enveredou pelo proteccionismo reaccionário (os adjectivos são meus). Não será esta a motivação do meu comentário (não comungo, em intensidade, da vibração do Francisco com o que se passa em terras de sua majestade). Eu gostava de recuar ao «seu» conservadorismo (e ao de Michael Oakeshott e de João Pereira Coutinho, que ele cita no seu artigo).
Se tendencialmente me sinto confortável com a ideia de que devemos preferir «tirar partido das possibilidades do presente» em vez de «ansiar por passados irrecuperáveis ou futuros incertos» e de que a exigência com a mudança é uma predisposição essencial (a importância da tal «pedra na engrenagem» de que fala João Pereira Coutinho e que o Francisco recupera) não creio que a acção política se possa alimentar de tão pouco. A ideia (ideia no sentido literal) tem de ter mais espaço, o propósito de conformação em liberdade da sociedade, a fixação de limites (sem receio da radicalidade, se necessário), a afirmação de valores (ou a não cedência nos essenciais). No fundo, uma doutrina de substancia (seja a doutrina social da Igreja, seja o socialismo democrático, seja o liberalismo, seja o comunismo) faz parte e não vejo porque não deva fazer com significado. Coisa diferente – aqui reaproximo-me do Francisco – é a de que a acção política (seja ela qual for) se deve orientar pelo senso comum, com temperamento, respeitar e ter presente a natureza humana, a moral, a tradição, a comunidade, a experiência. Aí estou de acordo. E já sabia que estava.

No fundo, o que queria dizer é que o conservadorismo como expressão de gestão corrente (agora é a minha vez de criar expressões) deve conviver com ideias. Eu percebo o sublinhado do Francisco. Em tempos de falta de bom senso e de temperamento, talvez seja boa ideia recuperá-los como doutrina política. Mas não deixa de ser insuficiente.

#Escritório

3 anos de Rui Moreira

Se com um ano de mandato é prematuro, e com dois ainda não é suficiente, volvidos três anos à frente da Câmara do Porto estamos já em condições de ensaiar um balanço (que se há-de completar, naturalmente, daqui a um ano).

Aspectos positivos:

1.
Dinâmica cultural. Os primeiros dois anos foram de tal modo fervilhantes que o embalo é imparável. O Porto é já – ele próprio – expressão de dinâmica cultural. Talvez se possa sinalizar este último ano com a «conquista» da polémica colecção Miró do BPN. Mas podia isolar a feira do livro, os concertos de música clássica na avenida ou a D’bandada, por exemplo. Ou a «descoberta» do património, agora explorado com outra organização (a torre dos clérigos será o caso mais icónico). Depois da inesperada partida do genial vereador Paulo Cunha e Silva, os legítimos receios de desaceleração foram infirmados. Não lhe podia ser feita melhor homenagem.
2.
O destino. O Porto consolidou-se e cresceu vertiginosamente como destino. Não é só o número impressionante de turistas. É mais a expressão cosmopolita que o Porto ostenta, com a criação e recriação de espaços, de soluções urbanísticas e paisagísticas. Com o «espevitar» das nossas instituições culturais, patrimoniais ou universitárias (são milhares os estudantes estrangeiros). E se os méritos primeiros estão nas pessoas, na sociedade civil, há que reconhecer que o modo como o Porto se abre é também mérito do seu executivo camarário.
3.
Foco na zona oriental da cidade. Ainda não se consegue medir como devia, mas é justo reconhecer que se olharmos aos maiores investimentos eles foram na área social e nos bairros da zona oriental da cidade. Vibro com o despertar da cidade «conhecida» para esta cidade «adiada» e reservo enormes expectativas para o projecto do matadouro municipal.
4.
Escolas – valorização dos espaços exteriores. Tenho vindo a sinalizá-lo todos os anos e, felizmente, vejo razões para renovar esse sublinhado. A reserva dos espaços de recreio face ao exterior das escolas faz todo o sentido (o que nem sempre é possível porque há muitas escolas cujos recreios estão sob as janelas de prédios, sobretudo em bairros sociais). A recuperação generalizada dos espaços exteriores das escolas (os únicos espaços onde muitas crianças brincam, como lembrava o próprio Rui Moreira) segue e deve ser saudada;
5.
Higiene e espaços verdes. Já vinha de trás, mas é uma marca da cidade que me orgulha muito. O Porto é uma cidade limpa e com espaços verdes incríveis e cada vez mais reabilitados;
6.
Abertura a todos. Sou muito sensível à ideia de que todos os cidadãos se devem sentir representados na sua Câmara Municipal. Esse sentimento tem sido possível e desejado, com enorme mérito do actual executivo. Este ano, por exemplo, a mão foi estendida ao vereador Ricardo Valente a quem inteligentemente foi atribuído um relevante pelouro.
7.
A Baixa. Está intimamente relacionada com tudo o que disse (dinâmica cultural, o destino Porto, a higiene, a abertura). A Baixa do Porto já saiu do controlo. E se a Câmara Municipal tem pouco a ver com o que os milhares de privados decidiram fazer, é justo reconhecer que soube tirar partido desse fenómeno. Com eventos, com agenda e sobretudo com o alargamento da área relevante da baixa (numa lógica de disseminação e contaminação).
8.
Finanças. Quem olha para o orçamento municipal para 2017 percebe que a Câmara está a fazer um excelente trabalho sob o ponto de vista financeiro. O aumento expressivo do investimento, conjugado com a redução dos impostos municipais, é uma lição que me orgulha.

Aspectos menos positivos:

1.
Pouca dinâmica na manutenção da rede viária. Não obstante o «movimento» mais intenso dos últimos meses, continuo a achar que a pequena manutenção ficou aquém do necessário e possível. Não estamos a falar das grandes obras, mas simplesmente das reparações de buracos e de repavimentações. Conseguiria, sem esforço, nomear dezenas de ruas (da zona ocidental à oriental) que carecem de manutenção. A ver se este último ano me apaga esta crítica!
2.
A paisagem por recuperar. Se em cima, nos aspectos positivos, destacava o enfoque na zona oriental, também terei de a destacar nos aspectos menos positivos. Passaram 3 anos e a assustadora porta de entrada da cidade que é a Estação de Campanhã continua incólume no seu terceiro mundismo. Os acessos, o asseio, o aspecto geral, são demasiado penosos. O acordo do Porto – que garantirá verbas para o novo terminal e demais investimentos previstos – teima em transitar dos anúncios para o terreno. E é urgente! E, já agora, pergunto também pelo Parque Oriental – para quando o seu crescimento para que se possa afirmar como polo de lazer e de atracção numa cidade que tem de ser territorialmente mais equilibrada?
3.
O prado do repouso. Tal como Campanhã - aliás, o prado do repouso é na freguesia de Bonfim e quase na de Campanhã - é um local de enorme frequência e que marca para muitos a imagem que levam da cidade. Os acessos e o asseio urbanístico até ao cemitério recomendam uma intervenção prioritária da Câmara.
4.
Palácio de Cristal. Sou suspeito porque tenho naqueles jardins e naquele pavilhão um canto a que gosto de voltar muitas vezes. Há ali demasiado potencial por explorar. E o estado do pavilhão - para multiusos ou centro de congressos - é triste. E mais triste é não perceber para quando uma intervenção da Câmara passados que estão 3 anos e depois de tanto debate.
5.
Alguma sobranceria. Não consigo fugir ao tema. Reivindicamos há muitos anos uma liderança que nos represente, que tome as nossas justas dores, que o faça com rigor e seriedade. Se é certo que Rui Moreira interpretou bem essa sua missão e até logrou escalar a difícil barreira mediática, é também importante advertir para os momentos dispensáveis que protagonizou. Não gostei do despique com o Alcaide de Vigo, até porque Rui Moreira tinha razão. Tem de ser superior aos seus ímpetos verbais, sobretudo para que não perca a razão que tem.
6.
Trânsito. Não sei o que se passa. Se é por haver mais carros, se é pela sincronização dos semáforos ou se é pela organização viária (que tem sofrido algumas alterações). O que sei é que o trânsito está caótico e piorou muito neste último ano.
7.
Equipa. Falta músculo para lá do presidente. A saída inesperada de Paulo Cunha e Silva - com o seu protagonismo e espaço próprios - não ajudou com certeza.

Conclusão:

Venho fazendo uma avaliação global francamente positiva. Passado mais um ano reitero animado essa avaliação. Mantenho o espírito crítico porque gosto de ser exigente. Mas é justamente por ser assim que não hesito nos elogios e, com honestidade, procuro apontar o que julgo não estar tão bem.
Sei também que há muitas mais razões para elogiar. E haverá explicações e atenuantes para as críticas que faço (não é possível ir a todas, dirão com razão).
E há ainda um ponto - que só serei capaz de avaliar no final - que é a área da economia e do emprego. No fundo, os dados da atracção de investimento. Suspeito que será o «prato forte» quando olhar para o mandato. Ainda bem!
Por mim, continuo a acompanhar, a viver e a vibrar com o Porto que tanto amo.

#Escritório
#Salaodevisitas

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Desabafo

Porque me magoas? Vivo contigo há tantos anos!
Tomamos o pequeno-almoço juntos. Vivemos aqueles momentos a sós antes de me deitar. E sabes que não dispenso o teu calor.
Gosto mais de ti branca, sem adereços e simples. E eu sei que se te ignorar e não for meigo contigo até deitas fumo!
É por isso que te ligo como mereces. Com cuidado, sem violência e sem me distrair.
Chego a ser eu que te faço a higiene mais íntima e te tiro as migalhas desta vida!

Porque teimas em me queimar? Porque não deixas os meus dedos em paz, torradeira?

#Cozinha


terça-feira, 18 de outubro de 2016

De Brugges

1. Em Brugges como em Leicester. De repente, a 25 minutos do fim, começamos a jogar. Só que o Brugges não é o Leicester. Felizmente.
2. Mas o Porto não é isto. O Porto come a relva do início ao fim. Pode não jogar bem os 90 minutos. Mas quer ganhar desde o primeiro.
3. Do banco não ver o evidente gera-me imensa intranquilidade. E começam a ser vezes demais.
4. O Porto ganhar fora na Champions é um laivo de normalidade que me sabe mesmo bem..

#Saladejogos

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O orçamento da desilusão e do alívio

A esquerda e a direita (tomemos por bons estes chavões para identificar sobretudo o CDS e o PSD, de um lado, e o PS, do outro) estão mais sintonizadas do que se imagina. E nunca, como neste orçamento, essa sintonia foi tão evidente.
Desde logo a comunhão de expectativas. À direita germinava a percepção de que o Orçamento do Estado para 2017 seria o momento impossível. À esquerda, por sua vez, tinha-se consciência de que seria um exercício a raiar o impossível. Aos primeiros correspondia um sentimento de esperança e apreensão. Aos segundos também de esperança e apreensão.
Com a apresentação da proposta na passada sexta-feira, mais do que críticas ou loas de substância, o que vemos é desilusão ou alívio em face daquelas expectativas. À direita por aquele impossível afinal ter sido possível (com tudo o que isso representa). À esquerda por aquele quase impossível afinal ter sido possível (com tudo o que isso representa).

Pode parecer mas não estou a fazer nenhum jogo de palavras. Ninguém, no seu perfeito juízo, gosta deste orçamento. Ninguém, no seu perfeito juízo, faria muito melhor.
Propaganda à parte, que governo gostaria de criar um novo imposto? Que governo gostaria de adiar o fim da sobretaxa? Que governo prefere fazer aumentos e acertos simbólicos em lugar de os fazer com relevância e efectivo impacto?
O discurso do gradualismo (da direita) versus o aceleramento da devolução de rendimentos e da revogação dos cortes (da esquerda) não é substantivo nem real.
O espartilho orçamental em que nos movemos colectivamente potencia a demagogia no discurso mas não esconde o essencial – em face das exigências de que não abdicamos, e pressionados pelo imediato, não conseguimos diminuir os altos níveis de tributação vigentes (seja nos impostos directos ou indirectos, gerais ou especiais, sobre o rendimento, o património ou o consumo). A direita ontem preferia ter tido margem para não subir galopantemente o IRS. A esquerda hoje preferia ter margem para baixar o IRS que ontem subiu. A direita ontem e a esquerda hoje preferiam não ter de recorrer a regimes especiais de regularização de dívidas para arrecadar desesperadamente receita. E a gestão mais apertada da despesa do Estado – as famosas cativações – não são um exclusivo de nenhum dos lados e não emanam de qualquer convicção ideológica (e estou convencido que é um desporto mais praticado à esquerda, por muita paixão e amor que esta coloque no discurso sobre o estado social e os serviços públicos).


Claro que há questões técnicas dispensáveis e mesmo condenáveis na proposta de orçamento (a começar pelo atabalhoado adicional ao IMI). Claro que há opções simbólicas de governação (o modo como se encaram as escolas com contratos com o Estado). Claro que há opções com consequências (o caso da TAP e da gestão dos transportes públicos talvez seja o mais paradigmático). O problema, todavia, é que para lá do discurso não sabemos bem se poderia ser substancialmente diferente. E se pensávamos que por causa da esquerda do PS este não conseguiria – daí a apreensão que pairava – agora estamos reduzidos, sem convicção para lá dos slogans, à desilusão de uns e ao alívio de outros. Chega a ser infantil. Mas este é mesmo o orçamento da desilusão e do alívio.

#Escritório

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Adicional ao IMI?


Era mesmo preferível um imposto à parte. Transparente, puro e genuinamente novo imposto. Esta coisa de enxertar no IMI um adicional ao IMI com regras próprias (em alguns casos manhosas) só serve para confundir.
Só de imaginar como será quando me pedirem para explicar a tributação sobre o património em Portugal, até fico com os cabelos em pé.
Ninguém vai perceber que temos dois IMI’s. Um propriamente dito e outro adicional. Um que é devido por quem for proprietário a 31 de Dezembro e outro por quem for proprietário a 1 de Janeiro. Um verdadeiramente municipal, outro destinado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (mas que se chama na mesma «municipal»). Um dirigido a cada imóvel, outro dirigido a uma soma de imóveis mas não de todos e com várias nuances. Um pago numa, duas ou três prestações (em Abril, em Abril e Novembro, ou em Abril, Julho e Novembro) e outro pago integralmente em Setembro. Já para não falar das ligações sub-reptícias ao IRC em matéria de deduções à matéria colectável. Enfim, um mundo de tecnicidades que não se recomendam a nenhum país que se queira fiscalmente estável e acessível (quanto mais a um país que precise desesperadamente de o ser).


Mais que um adicional ao IMI teria valido a pena um adicional de bom senso!

#Escritório

Orçamento do Estado?

Cada um estará a olhar para o seu bolso e a pensar - vou pagar mais?
Rico e pobre, interessado e alheado, leigo e especialista.
Deixem-me cá ver se vos ajudo.
Ora bem, teremos meia dúzia de mexidas nos códigos mais clássicos. Suspeito que mais por preconceito que por boa política (no IRS e no IRC). E mais duas ou três por necessidade envergonhada de receita, onde pontuam o tal DESPI, sobre o património, e o curioso refrescamento do sortido de impostos indirectos. É provável que inovem qualquer coisa nas regras do procedimento e do processo (seja qual for o governo, normalmente é aí que a incompetência e a chico-espertice costumam brilhar mais). E depois teremos alguns paliativos nas pensões (mais para o chavão político que para o bolso das pessoas). É basicamente isto.
Ah, querem saber se vão pagar mais não é?
Sim, sim. Directa ou indirectamente. Como diz o povo, tão certo como a morte.

#Escritório

terça-feira, 11 de outubro de 2016

À mercê do Florêncio

As declarações ufanas, quase todas  irracionais e até cómicas dos manifestantes armados (sim, quaisquer viaturas, nas mãos daqueles senhores, são autênticas armas, como se viu), não são novidade. A novidade talvez tenha sido o despudor colectivo, galopante e sem mediação, que é próprio de quem se julga impune.

O que me fica da jornada de luta (levaram à letra essa coisa da "jornada de luta" ...) é a cobardia, a conivência e a falta de comparência da autoridade do Estado. É assustadora a ligeireza com que os manifestantes decidem sitiar o aeroporto, não cumprir o percurso acordado com as forças de segurança e fazer sua a missão de vigiar os carros da UBER.

Deixarem-nos ao abandono e à mercê desta gente é tão ou mais assustador que as declarações do Senhor Florêncio e seus indomáveis pares.

#Saladeestar

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Não há perdão

Se há coisa que não me surpreende mas que lastimo - à direita e à esquerda - é a paixão com que se critica ou defende exactamente a mesma solução quase ao mesmo tempo. Sim, exactamente a mesma solução. Defende-se ou critica-se em função do autor da proposta ser ou não ser dos "nossos".

Percebe-se o incómodo do governo a propósito do perdão fiscal agora anunciado. Ele não é senão uma medida desesperada de arrecadação de receita. Mas é assim com este perdão fiscal como foi com o seu "irmão" promovido há 3 anos pelo anterior governo. E não vale a pena perder tempo com narrativas porque não é preciso conhecer os detalhes do diploma para saber que este e o de há 3 anos são iguais no que verdadeiramente interessa (perdão de juros e de custas para quem pagar dívidas fiscais).

Há de facto uma diferença. Os críticos de ontem são os apoiantes de hoje. E vice-versa. E essa diferença é hipócrita, é circunstancial e não é tributária de qualquer nobre convicção.
Apetece-me dizer - à direita e à esquerda - que a falta de memória e de contenção verbal é feio. E para isso é que não há perdão.

Já agora, apetece-me dizer também que abomino o modo como se pretende encravar, a propósito desta medida, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Denunciar-se que a medida beneficia a GALP é o mesmo que sugerir que ela não deveria ser geral e abstracta e que, portanto, não se deveria dirigir a todos os contribuintes. É pura dialéctica política (no mau sentido). Eu defendo (em linguagem popular e demagógica) que estas medidas devem estar ao serviço de todos, das pequenas e médias empresas, das famílias, dos grandes criadores de emprego, de quem investe. Dizer que está em causa beneficiar o grande capital, a GALP, o sogro e o irmão do Secretário de Estado é dizer a mesma coisa. Mas é também feio e também não há perdão.

#Escritório

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Guterres

Se outras razões não se impusessem, eu relevaria em António Guterres o exemplo que representa de que na política podem estar os melhores de entre os melhores, os que se dedicam a servir e que, portanto, enobrecem a vocação política. Sempre me inspirou a sua vocação humana e carismática ao serviço da causa pública.
Sinto-me orgulhoso como cidadão integrado na comunidade internacional. Antes até do orgulho por ser um nacional do meu país.
E depois uma nota pessoal. Fala-se muito - e bem - do extraordinário trabalho da diplomacia portuguesa neste processo. Eu não meço as minhas amizades ou relações familiares pelo sucesso. Mas participo, no orgulho e na vibração, dos seus sucessos. Estou inchado - basicamente era isso que queria dizer a duas pessoas: Álvaro Mendonça e Moura e Miguel Graça!

#Escritório

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Cinema Trindade - da viragem ao regresso

A ida ao cinema era um programa tão desejado quanto raro. Entre os 6 e os 15 anos sou capaz de relatar cada um desses «programões» (era assim que os vivia). Os filmes, as companhias e o gozo que guardei dessas "precárias".
A viragem – já explicarei o que é isso da viragem – deu-se numa tarde de sábado, contra todas as previsões e sem qualquer expectativa.
Vinha de uma manhã intensa e gloriosa – na idade em que a intensidade e a glória se mediam pelos golos marcados e pelas vitórias alcançadas nos vários torneios de futebol que preenchiam os meus fins-de-semana.
Por iniciativa de uma voluntariosa mãe fomos, em equipa, almoçar fora (outro programão e também raro). Éramos sete magníficos com uma tarde pela frente.
Ainda estou a ver a secção de classificados do jornal que folheámos para escolher o que fazer. E recordo-me ainda mais do destino eleito por aclamação.
Foi na rua Dr. Ricardo Jorge, no Porto, que ao início da tarde fomos triunfantemente depositados. Íamos ao cinema!
Dizer que foi especial talvez seja uma banalidade (com 10 ou 11 anos ir com sete amigos ao cinema era já de si especial). Sem imaginar o que me esperava, vi-me de bilhete na mão pronto para ir ver o "Cocktail" com o Tom Cruise e a Elisabeth Shue como protagonistas.
Lembro-me de ficarmos todos juntos numa fila perdida no meio do andar de baixo do enorme anfiteatro do icónico e repleto cinema Trindade (foi antes da transformação em duas salas). 
Naquela tarde não foi só um filme que vi. Descobri o charme e o potencial do cinema. O escuro. A intimidade. A sensação de estar lá dentro, numa espécie de osmose entre a nossa pulsão e o desenrolar do argumento.
Até então só havia experimentado filmes infantis ou de humor (vinha de ver o «Gente Gira 2» no Pedro Cem …). E se desta vez o filme não era infantil eu, infantilmente, apaixonei-me. Quer dizer, não me apaixonei. Fiquei siderado na protagonista da película (era assim que nos apaixonávamos aos 10 anos). Foi a primeira vez e a minha inocência não me advertira para a hipótese. Ao intervalo – havia sempre intervalo – estava meio sem jeito e só pensava na Elisabeth Shue e no seu sorriso sedutor para o Barman estiloso. Apesar da minha fragilidade, passou rápido, devo advertir. Mas foi suficiente para mudar as minhas idas ao cinema.

Só posso vibrar com o regresso anunciado do cinema ao Trindade - o palco da "viragem". E, já agora, de muitas mais e melhores memórias. Foi lá que vi também, por exemplo, a "Lista de Shindler" ou "O silêncio dos inocentes" - filmes incomparáveis ao banal Cocktail. Afastado que estou das idas ao cinema, devo confessar que sinto o chamamento com o regresso do Trindade. Depois da "viragem" é lá que celebrarei o "regresso".

#Saladeestar

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

ZENPROF

Estamos em Outubro. Há turmas sem professores. Há professores sem turmas. Há milhares de vínculos precários. Há falta de pessoal não docente (os auxiliares são um bem indispensável mas raro nas escolas). Há colocações de um dia para o outro (como se a previsibilidade e a estabilidade da vida das pessoas não interessasse para nada). Há escolas a fechar. Há tudo isso, devidamente reportado por quem sabe e está no terreno. Mas o que mais há é um silêncio ensurdecedor das estruturas sindicais. Não estará tudo mal. E não estará tudo bem. E eu até poderei gostar mais deste silêncio face à cacofonia sonsa e irresponsável de outros anos. Mas este estilo zen da FENPROF é um todo um programa.

#Saladeestar
#Escritório