domingo, 31 de janeiro de 2016

Há!

Não sei se "há" remédio. "À" custa do meu sistema nervoso "há" muita gente a escrever "à" aprendiz.  Acreditem que "há".
Podia ser "à" escritor moderno, mas acho que não "há" disso, pelo menos no que ao "há" diz respeito. Não sei se "há" cursos para este problema existencial. Gostava que me dissessem que sim, que "há" "há.".
Chamar-lhe-ia (ou "chamaria-lhe" - como "há" muito boa gente que escreve) Curso de Português "à" moda antiga. Se ainda não "há", "há" muita urgência!

#Escritório

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Estabelecimentos comerciais

As nossas primeiras precárias (como gosto de chamar às primeiras investidas na rua, sem tutela e com o consentimento dos pais) estão marcadas por idas a meia dúzia de estabelecimentos comerciais.
Começámos por ir à mercearia ao lado de casa comprar o kilo de arroz, a manteiga ou o sal que inesperadamente faziam perigar o avanço do almoço, para depois sermos incumbidos de encomendas mais elaboradas e mais distantes.
Por vezes, o cumprimento zeloso do recado incluía uma guloseima ou uns cromos, caso em que o entusiasmo no cumprimento da missão não era totalmente altruísta.

Com o tempo, e as encomendas reiteradas que nos solicitavam, fomos desenvolvendo verdadeiras relações com os donos e funcionários dos estabelecimentos. Já éramos tratados pelo nome e tudo (em alguns casos antecedido de «menino», como delicadamente ainda usavam os mais velhos). E no meu caso, como sempre exibi o meu orgulhoso coração azul, já de miúdo incomodava e era incomodado com as saborosas conversas da jornada. Então, como hoje, o futebol e a clubite tinham esse lado bom e saudável de nos aproximar e nivelar - novos e velhos, eruditos e simples, com as mesmas razões (ou falta delas!).

Nem todos os estabelecimentos comerciais (já nem se usa esta expressão) da minha memória mantêm as portas abertas passados todos estes anos. Alguns deles eram demasiado importantes - senão mesmo icónicos - para terem desaparecido (pena não serem Bancos!). E se de alguns já só sinto saudades, de outros sinto falta. Do trato, do espaço e sobretudo do programa que era lá ir.

A Casa Forte, na Baixa, e a Drogaria Rocha, em Matosinhos, serão os casos (os meus, claro) mais paradigmáticos. Afinal não era em vão que por lá se encontrava de tudo, para tudo e em qualquer altura do ano. Há também os estabelecimentos monotemáticos e que nos receberam muitas vezes. A Sapataria Gonçalves (ou a heidi, ainda aberta!), para as sapatilhas ou sapatos melhores (sim, melhores, que me fizeram consumidor de botas de carneira no dia a dia). E só consegui começar a comprar calças depois de ter voz grossa para me recusar a ir à calçeira de família que me mediu as pernas anos sem fim. Comecei por umas Pacifique Sud, e com o andar dos anos e da moda, tive umas Uniforme e finalmente as intemporais Levis (a que me fidelizei até hoje). As calças não tinham um estabelecimento comercial de referência (cheguei a comprar 3 pares de uma vez nas galerias Peixoto que nem sei se ainda existem - as galerias, não as calças!). Já as camisolas ou casaquinhos (como as mães sempre gostam de chamar às peças de roupa mais «arranjadinhas» … sempre os diminutivos) vinham com frequência do Morgado da Foz.
O passar dos anos, levou-nos a outro tipo de estabelecimentos comerciais. À La Copa, para lanchar com os amigos e comer crepes, ao Chalet Suíço, depois de um jogo no mini-golfe, e onde nunca se comeu nada de que me recorde especialmente (associo o Chalet Suíço desses tempos ao Capri Son, não sei porquê). À Padaria Ribeiro da Baixa, depois do médico (os médicos eram todos na Baixa). Ao Café Progresso, para comer um prego ao balcão (sabia-me tão bem!). E até à Barbearia Invicta, verdadeiro símbolo do bom corte masculino que resiste estoicamente ainda hoje.

Há muita gente que de pequenino sonhou ter o seu próprio estabelecimento comercial. Eu nunca tive essa ambição. Mas ontem sonhei com os cheiros, os sabores e a simpatia dos «meus» estabelecimentos comerciais. E se de outra razão precisasse estabeleci que hei-de percorrer mais vezes, qual menino em precária, esses estabelecimentos que resistem e a quem devo tão boas memórias.

#Salaodevisitas
#Saladeestar

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O futebol, o financiamento e a China

Vou tentar jogar fácil, ainda que o tema me obrigue a rodriguinhos.
1. Tenho feito sempre questão de assumir que sou a favor das soluções alternativas de financiamento para o futebol, desde que devidamente reguladas e transparentes.
2. Não se trata, aliás, de ser a favor ou ser contra. Trata-se, antes, de reconhecer a legitimidade de qualquer entidade, em face da indisponibilidade dos convencionais «canais» de financiamento (como sejam os bancos e os donos / accionistas) procurar alternativas efectivas.
3. Está em causa a sobrevivência dos clubes, a sua competitividade e a viabilidade das competições (facto que não é irrelevante no meu juízo).
4. Vejo os fundos (tecnicamente, deveria dizer os «TPO – Third Party Ownership), isto é, a detenção por terceiros (que não clubes ou sociedades desportivas) dos «passes» de jogadores, como alternativas a essas vias convencionais de financiamento que, como todas as outras, só serão perniciosas se não forem reguladas, não tiverem limites e não forem transparentes.
5. Um fundo pode ser tão bom ou tão mau como um patrocínio megalómano de uma fundação ou companhia aérea de qualquer Estado pouco recomendável.
6. Esse esforço na procura de alternativas – diria mesmo, essa luta pela sobrevivência – pode implicar alguma renúncia à autonomia de gestão que tanto prezamos. Eu aceito esse «entorse» desde que seja equilibrado, mantido em níveis aceitáveis, e, no fundo, garanta ou contribua relevantemente para esse bem maior que é a viabilidade dos clubes e das competições;
7. Esta «investida» da Liga na China vejo-a nesta lógica e acho que é positiva, louvável e até poderá ser notável.
#Saladejogos

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Cantar Bowie

No tempo das flashmobs, das versões e homenagens, há umas melhores que outras. E esta está excelente. Para lá da pronta (logo dois dias depois!) homenagem ao génio de David Bowie - e que é o tema e o propósito deste «número» - apetece-me dizer: há tanta gente a cantar bem por esse mundo fora!

#Saladeestar

domingo, 24 de janeiro de 2016

Presidente Marcelo

1. O discurso de Marcelo teve tudo o que valorizo. Raízes. Magnanimidade. Programa. Sentido de Estado.
2. Não o digo por um qualquer desejo de adesão (sempre típico nestes momentos de vitória e a que não sou imune). A verdade é que me revi na serenidade, nas raízes e no programa de Marcelo. Cuidar da unidade nacional e olhar àqueles que resistem estoicamente nas "periferias da sociedade" é a eterna missão do mais alto representante do Estado.
3. Não é de todo indiferente termos um Presidente com o nível cultural e social de Marcelo. Não é uma questão de elitismo. É uma questão de exigência.
4. Presidente Marcelo. Há na expressão uma certa harmonia, devo dizer.

#Escritório

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Presidenciais

1. Bem sabemos que hoje os jornalistas, mais do que mediadores entre as notícias e o público, se especializaram em comentário político, económico, sociológico e moral. É por isso que não há «notícia» sobre esta campanha presidencial (e sobre qualquer campanha eleitoral, em boa verdade) que não comece por desdenhar no sistema político, com recurso a todos ou alguns dos estafados lugares comuns. Como o da «degradação da classe política», ou o do «inexistente debate de ideias», do «desinteresse e do afastamento dos cidadãos face à politica», etc, etc, etc.

2. Nestas eleições presidenciais esta tendência está perigosamente exacerbada.

3. O menor interesse - que não é bem interesse, é mais disponibilidade - das pessoas face a esta contenda eleitoral explica-se pela autêntica overdose por que passaram a 4 de Outubro e no pós 4 de Outubro. Esse período serviu bem para demonstrar quão falsa é essa história do desinteresse. Sucede que as pessoas têm vida e querem respirar para lá da tensão política. E estas eleições presidenciais não vieram nada a calhar.

4. Sobre os candidatos não hesito em afirmar que temos um razoável rol de candidatos. Aliás, compara muito bem (para melhor) com muitos outros que o antecederam. Ou acham que Marcelo é pior que Cavaco, que Ferreira do Amaral ou que Basílio Horta? Ou até que Freitas do Amaral ou Soares Carneiro? Ou acham que Sampaio da Nóvoa / Maria de Belém comparam mal com Mário Soares aos 80 anos e Manuel Alegre? E podemos também comparar os pequenos. A Marisa Matias não deve nada ao saudoso Carlos Marques!

5. Não tenho as ilusões de muitos dos meus amigos e por isso nunca projecto no meu voto os níveis de adesão a roçar os 100%. No dia em que condicionasse o meu voto a essa identificação dá-me ideia que ou passava para o clube dos abstencionistas ou votaria sempre em branco. E tenho bem a noção de quão ingerível se transformaria o sistema. Voto por maior ou menor aproximação (como quase toda a gente, naturalmente).


6. Desta vez voto Marcelo. Já neste domingo. Nem percebo essa história de só votar à segunda.

#Escritório

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Voar à janela

Já não me lembro da excitação das primeiras «passagens» (como continuam a dizer os brasileiros). Ainda hoje preservo a preferência pelo lugar da janela nos aviões.
Por regra, chego ao fim do percurso sem ter sequer passado os olhos pela janela. Passo mais pelas «brasas», confesso. Mas a hipótese - fortuita que seja - de me deter sobre a paisagem que sobrevoo inclina-me para os lugares da janela. Mesmo que a escolha implique ficar refém dos dois passageiros do lado.
Há duas paisagens que me surpreendem sempre.


A imensidão de nuvens sem fim, abraçadas e leves, que me inspiram ao conforto do sobrenatural e me colocam no meu devido lugar. Pequenino. Impuro. Insignificante.

E o Porto. Sempre o Porto. Visto do céu o Porto nunca é banal. Nunca cansa. Quando a luz e os ventos consentem vê-lo do alto, o Porto impressiona sempre.



#Salaodevisitas
#Jardim

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Café Latino

A dependência e o prazer do nosso café gera-nos uma enorme intranquilidade quando estamos à mesa fora de Portugal (ou de Itália!) - especialmente ao pequeno-almoço e ao almoço. Encontrar um café decente é o desafio permanente. Não nos conseguimos adaptar à água suja a que os "estrangeiros" teimam em chamar café.
Aquela tensão, em boa verdade, é cada vez menos justificada. Não sei de quem é o mérito. Talvez tenha sido útil a ideia de recorrer a um charmoso de Hollywood e escarrapachá-lo em outdoors por esse mundo fora a beber um café expresso. O que sei é que, cada vez mais, me surpreendem com café no final das refeições (ia dizer café expresso, mas seria redundante).

A crescente latinização gastronómica do mundo pode ser um pormenor. Mas é por estes pormenores - como o bom ou mau café - que meço o estado civilizacional do mundo gastronómico.


#Saladejantar

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Tristes tempos

A Sportinguização e Benfiquização (por esta ordem) do meu Porto deixa-me completamente desorientado.

Se a dança de treinadores, de jogadores e de comissionistas é um problema, arrisco dizer que o desnorte nas hierarquias - que passa inclusivamente por saber quem manda e em quem - é um problema ainda maior. Há muito tempo que a autoridade moral não mora no Dragão. Essa lacuna era, apesar de tudo, compensada por algum pudor, alguma afeição ao clube (infelizmente evito as palavras "amor" e "paixão") e alguma disciplina.

A crise de resultados deteriora tudo isso que ainda subsistia. E é vê-los, qual associação de estudantes em crise e cisão, a olhar aos seus interesses pessoais e a lutar pela sua coutada de poder e de influência. Os adeptos não interessam nada. Não lhes interessam nada a não ser na justa medida em que sirvam aqueles interesses pessoais de poder (que é também o das suas contas bancárias e certas imunidades). Por outras palavras, tudo o que justifica a militância dos adeptos - a história, a cultura do clube, a raça, a organização e disciplina irrepreensível, o inconformismo - já não interessa. Já nem conhecem.

Somos umas marionetas com cujas emoções andam a brincar.

Não tenho um programa. Mas qualquer programa tem de começar por um diagnóstico objectivo e desapaixonado. E coragem. Vai ser preciso coragem.

#Saladejogos

sábado, 16 de janeiro de 2016

Aureliano da Fonseca

Alegra-te ó Céu!
Querias tudo, querias um capaz de tudo, que fez de tudo? Aí o tens!
Querias um criador inspirado? De músicas, de cantorias e tangos e até de hinos? Claro que querias! Aí o tens!
Querias um estudante - um eterno estudante - um Professor, um mestre, um médico, «o» especialista? Aí o tens!
Querias um navegador e viajante, aventureiro e humanista? Recebe-o que aí o tens!
E poeta e escritor, e fotógrafo e colecionador? Está aí, recebe-o! Sofisticado e galã como ele é.
Sim, é o filho fiel de pai e mãe. O marido fidelíssimo de dezenas e dezenas de anos. Como dezenas e dezenas são os que lhe devem o bem maior que é a vida. E outros tantos (ou mais!) que mereceram e sentiram como se dele fossem. E milhares serão os que de seu trato gozaram e não esqueceram.
E tu sabes, ó Céu, que foi para Deus e por Deus que viveu tanto. Até ao fim que nunca teve fim.
Se eu mandasse? Se eu mandasse soariam os sinos!
No Porto, na Universidade, nos pianos, nos tangos, nas tunas, nos hospitais e consultórios, na poesia e na prosa, na fotografia, nas viagens pelo mundo. E no Brasil e na Suíça, nas Pousadas e na Urgeiriça. Seriam os seus filhos, com os filhos dos filhos, e mais filhos. Todos - e mais os mochos - a puxar as cordas dos sinos deste mundo.
Alegra-te ó Céu! Para os reencontros, os abraços e as saudades de 100 anos! Alegra-te ó Céu!
#Jardim

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Paulo Baldaia e David Dinis

Há mais de 20 anos (não estou a exagerar) que sou um fiel leitor, ouvinte e espectador de informação e análise política em Portugal.
Já li, ouvi e vi muita gente.
Há, claro, aqueles que se perpetuam na «alta roda» mas que nunca gozaram da minha paciência (não serão assim tão poucos os que eu chamo de «balões de ar»).
Há também aquele grupo de jornalistas e comentadores que até já mereceram a minha fidelidade – por mais ou menos tempo – mas que a foram perdendo por manifesto desinteresse.
Há depois aqueles que volta e meia valem a pena, mas primam pela irregularidade. Tanto nos surpreendem com uma boa análise, com um ponto interessante, como nos servem banalidades que entediam qualquer audiência.
Há ainda aqueles de quem tenho imensas saudades. Que nunca perdia mas que perdi (perdemos todos). Penso sempre no Medeiros Ferreira, curiosamente.
Há finalmente aqueles – três ou quatro – que ouço, vejo e leio há muitos anos e que nunca deixarei de seguir.
O denominador comum destes três ou quatro – como daqueles que perdi – não é a maior ou menor adesão às suas teses ou análises. É aquela coisinha tão subvalorizada mas tão essencial que dá pelo nome e honestidade intelectual. E quando a ela está associada uma oralidade agradável sem laivos de sobranceria, fico arrebatado.
O Paulo Baldaia é um desses três ou quatro, vai deixar de ser director da TSF. O David Dinis também, e vai passar a ser director da TSF.

Tudo está bem.

#Escritório

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

A Casa Amaro!

 
- Faça o favor.
- Muito obrigado. Então o que tem para hoje?
- Não tem que se preocupar que o Sr. Miranda já tratou de tudo.

Fiquei descansado. Só me surpreendiam com razões para estar confiante. Aliás, confiante é pouco.
O estado incólume do estabelecimento. As mesas de madeira na diagonal. As paredes de cor branca amarelada, com várias demãos impostas pelo tempo e pela preocupação de manter tudo impecável.
Os armários de parede. Daqueles de sempre – que, tal como as mesas, eram de madeira boa e densa, com portas que empurramos para o lado, e onde se empilhavam os pratos e copos à confiança. O aparador no canto, impecavelmente limpo (suspeito que encerado há pouco tempo) daqueles que víamos em casa dos «nossos» avós – dos bons, antigos, com uma pedra mármore inteira, preenchida com garrafas e canecas de líquidos puros.

O cheiro era tudo. Era dele que me vinha a surpresa e a segurança da escolha. Só podia estar no local certo, ou como se diz nestes lugares sagrados, no local «justo» (não é nenhuma blasfémia sublinhar a sacralidade destes templos). Pressenti aqueles aromas autênticos que asseguram a nossa absoluta e total rendição. A lenha do forno. Sim, do forno. Do forno que tudo transforma. E porque é a lenha, transforma com outra sabedoria (quando falam em sabedoria dos antigos deve ser da lenha que estão a falar). O arroz, servido em repetidas e pequenas quantidades para chegar ao prato sempre quentinho, as batatas assadas e – sintam o rufar dos tambores – o cabrito tenro e meigo a fumegar. Já nem me lembrava que era assim! Passam os anos, comemos a mesma carne volta e meia. Gostamos. Às vezes gostamos mesmo muito. Mas perdemos a memória do que é um verdadeiro cabrito. Tenro, com sabor «à antiga» (não a velho!) e assado em forno a lenha (sim, daqueles com uma pequena porta pela qual se reforça o lume com mais duas ou três achas). Que delícia. Que nostalgia. E naquele lugar sagrado (insisto na sacralidade).

Tudo está lá como sempre esteve. Os clientes são os mesmos – que pelo nome são todos tratados, que eu bem ouvi! Das mesas e armários já falei. E a Dona Rosa – a delicada D. Rosa. O trato, a simpatia e o gosto com que nos servia confirmam plenamente a sabedoria que importa.

- Ó Dona Rosa, traga mais um café se faz favor. É que o primeiro foi por conta do cabrito. O próximo tratará desta sobremesa especial que nos poisou ainda quente sobre a mesa!
Pedi o segundo café pelo gosto de ser servido uma última vez pela Dona Rosa!
 
#Saladejantar

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

David Bowie

Faz parte da minha adolescência precoce (tive uma adolescência precoce à volta de algumas músicas e da política – no resto, foi tudo mais ou menos no ritmo normal).
Associo David Bowie à subversão que não me era consentida e para a qual, tenho de reconhecer, não tinha feitio nem jeito.
Sempre gostei das vozes próprias, que não se confundem e que não pretendem ser iguais a ninguém. David Bowie era isso. Tinha uma voz grave e forte. E tinha estilo (evito dizer swag, mas é esse o termo). E fez grandes malhas. Essa é que essa!
No tempo dos concertos de estádio em Portugal – em que também deu o seu concerto (1990) – era demasiado novo. Quer dizer, já tinha idade para querer ir, para achar que podia ir, mas para não me deixarem ir. E não fui, infelizmente.

Deixo aqui a minha preferida.



#Saladeestar

domingo, 10 de janeiro de 2016

Proposta para Janeiro

Não faz qualquer sentido este mundo empedernido. Em que a paz e a concórdia são uma miragem ou palavras vãs em tantos e tantos púlpitos solenes.

Não vou propor nada. Já está proposto pelo Papa Francisco para este mês de Janeiro.


#Jardim

O primeiro jogo

1. Ganhámos, sem grande tensão, com a certeza (e sobretudo a tranquilidade!) dos 3 pontos quase desde o início.
2. Mesmo com o Boavista - este Boavista - no seu estádio de cadeiras vazias (desapareceu mesmo o velho Boavista e não tem nada a ver com orçamentos), ganhar, sentir os jogadores a quererem e a festejarem no banco, soube-me bem.
3. Foi pena a reconciliação não ter sido completa. Não custava nada terem ido ter connosco à bancada, atirar meia dúzia de camisolas e consumar a viragem. Merecíamos mais que uns aplausos tímidos do meio campo a caminho do túnel.
4. Pode ser saudosismo bacoco, mas adoro estes jogos com chuva e condições adversas nas bancadas.
5. Não foi perfeito (os números foram, é certo). Mas também não é perfeito que eu quero que seja. Só quero regressar à normalidade. Da entrega, da competência e das vitórias.

#Saladejogos

sábado, 9 de janeiro de 2016

Escravidão

Não sou poeta. Ou por outra, serei poeta na medida em que comungo da presunção lusa de que somos todos poetas. Arrisco umas rimas, saem-me uns versos mais ou menos inspirados, mas tenho de reconhecer que há muito esforço a disfarçar o pouco génio.

Se não é à poesia que me escravizo, não deixa de ser na escrita que "sou" e que subjugo a minha vontade. Sinto-me perseguido demasiadas vezes pelo impulso e dou por mim a ir-me até onde não esperava.

Curiosamente, é na poesia que encontro a mais fiel descrição desta escravidão que me assaltou o sossego.

Quem me conhece, já sabe. Torga, sempre Torga.

Ode à poesia

Vou de comboio...
Vou
Mecanizado e duro como sou 
Neste dia, 
E mesmo assim tu vens, tu me visitas! 
Tu ranges nestes ferros e palpitas 
Dentro de mim, Poesia! 

Vão homens a meu lado distraídos 
Da sua condição de almas penadas; 
Vão outros à janela, diluídos 
Nas paisagens passadas... 
E porque hei-de ter eu nos meus sentidos 
As tuas formas brancas e aladas? 

Os campos, imprecisos, nos meus olhos, 
Vão de braços abertos às montanhas; 
O mar protesta contra não sei quê; 
E eu, movido por ti, por tuas manhas, 
A sonhar um painel que se não vê! 

Porque me tocas? Porque me destinas 
Este cilício vivo de cantar? 
Porque hei-de eu padecer e ter matinas 
Sem sequer acordar? 
Porque há-de a tua voz chamar a estrela 
Onde descansa e dorme a minha lira? 
Que razão te dei eu 
Para que a um gesto teu 
A harmonia me fira? 

Poeta sou e a ti me escravizei, 
Incapaz de fugir ao meu destino. 
Mas, se todo me dei, 
Porque não há-de haver na tua lei 
O lugar do menino 
Que a fazer versos e a crescer fiquei? 

Tanto me apetecia agora ser 
Alguém que não cantasse nem sentisse! 
Alguém que visse padecer, 
E não visse... 

Alguém que fosse pelo dia fora 
Neutro como um rapaz 
Que come e bebe a cada hora 
Sem saber o que faz... 

Alguém que não tivesse sentimentos, 
Pressentimentos, 
E coisas de escrever e de exprimir... 
Alguém que se deitasse 
No banco mais comprido que vagasse, 
E pudesse dormir... 

Mas eu sei que não posso. 
Sei que sou todo vosso, 
Ritmos, imagens, emoções! 
Sei que serve quem ama, 
E que eu jurei amor à minha dama, 
À mágica senhora das paixões. 

Musa bela, terrível e sagrada, 
Imaculada Deusa do condão: 
Aqui vou de longada; 
Mas aqui estou, e aqui serás louvada, 
Se aqui mesmo me obriga a tua mão!

#Biblioteca

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Uma líder para o CDS

Os adversários, os desencantados ou desinteressados – nos quais não me incluo, faço a ressalva (sou militante!) – são indispensáveis em qualquer processo de escolha da nova liderança partidária. Não serão o barómetro definitivo, mas são pelo menos uma referência importante. É através deles que conseguimos perceber melhor como somos vistos de fora, como e com quem somos mais ou menos temidos, como e com quem teremos maior capacidade de penetração eleitoral.

Como é próprio e natural, os militantes tendem a perder o distanciamento, a ceder aos apelos da amizade pessoal, das sãs fidelidades construídas na partilha de muitas disputas eleitorais. Valoriza-se muito – ou demasiado – a história interna, a capacidade de gerar a adesão dos filiados, de unir as tropas.
Tais qualidades são, sem qualquer dúvida, importantes e especialmente úteis na hora da mobilização (a «hora da verdade», em que são sempre os mesmos que estão disponíveis para dar o corpo ao manifesto). E são também manifestações boas e relevantes, que podem e devem concorrer para as escolhas a fazer. Mas não podem ser o móbil único de uma escolha tão séria e porventura decisiva. Não podemos ficar reféns das nossas motivações pessoais ou internas que, quando vistas em exclusivo e sem contemporizações, nos podem impedir de ver mais além, ou simplesmente de ver o óbvio à frente dos nossos olhos.

Por vezes, aquela personalidade que parece «servir» melhor os naturais anseios dos militantes – ou que corresponde mais aos seus afectos (palavra tão em voga) – não é necessariamente aquela que, em determinado momento histórico, melhor atende às necessidades do partido.

Uma coisa é ser popular internamente, outra diferente – e mais importante – é ser popular, gerar adesão, ter capacidade de chegar mais longe, de passar mensagem, fora do partido.

Se é verdade que um partido se faz com os seus militantes, também é verdade que um partido com um mínimo de ambição se faz para todos (e quase todos são não militantes).

Nem sempre os partidos dispõem de uma personalidade (ou personalidades) com essa capacidade de projectar o partido a uma escala mais alargada. Ou porque tais personalidades não querem, ou porque não podem ou mesmo porque pura e simplesmente não existem no universo de militantes que reúnem a projecção e capacidades de liderança indispensáveis.

Há momentos, todavia, em que não só emerge essa personalidade como ela se impõe com especiais e quase únicas características. Assunção Cristas é essa personalidade.

Porque quer (e querer é importante, por muito que uma vaga de fundo possa suplantar a eventual falta de vontade), porque é mulher (o que seria uma boa novidade no próprio partido e geraria maior impacto no potencial eleitorado), é mãe de família (assumindo essa condição como definidora da sua personalidade, a que não é estranho o encanto que suscitou quando protagonizou a primeira gravidez de uma ministra em funções), tem experiência de governo (foi ministra com a tutela de dossiers de enorme responsabilidade), tem experiência de administração pública (foi directora-geral), tem experiência de gabinete (no Ministério da Justiça), tem experiência e carreira académica (é doutorada em Direito e professora na Faculdade de Direito da Universidade Nova), tem experiência parlamentar (eleita três vezes deputada), é advogada e tem obra publicada.

No partido - de que é filiada há quase 10 anos (há quanto tempo eram filiados Maria José Nogueira Pinto e Paulo Portas quando disputaram a liderança no famoso congresso de 1998?) - é vice-presidente, coordenou o programa eleitoral, integrou equipas de negociação ao mais alto nível, foi cabeça de lista por Leiria. Não por acaso, desde que a «descobriu», Paulo Portas não mais a deixou de ter no seu inner circle.

E se mais fosse necessário, Assunção Cristas reúne ainda duas qualidades que a recomendam especialmente para a liderança neste preciso momento. A comunicação social reserva-lhe uma bonomia (para não dizer simpatia) que fazem com que a mensagem, pela sua voz, passe sempre melhor. E depois tem uma enorme empatia no contacto com as pessoas, desde as mais simples às mais sofisticadas.

Termino como comecei. Para quem nos vê de fora não tenham dúvidas que é para Assunção Cristas que olham. Desejando ou temendo. Porque é quem mais seduz para lá do universo tradicional de eleitores do CDS.

Seria imperdoável que não víssemos cá dentro o que tão claro se vê de fora.

#Escritório

O Bolo Rei do próximo ano tem que ser bom!


Quando era criança olhava para o mundo dos adultos com dois sentimentos predominantes. A inveja - sempre a tão humana inveja que nos corrompe desde tenra idade. E a oposição (já explicarei melhor o que é isto da oposição - uma espécie de mistura de espanto, desprezo e incompreensão).

A inveja é fácil de explicar. Qualquer criança projecta nos adultos o poder para fazer o que apetece, a ideia de que ninguém manda neles, e uma carteira sem fundo que permite cumprir todos os desejos. E era essa inocente inveja que experimentava quando tinha de ir para a cama contrariado ou quando me negavam a bola de Berlim que me sorria sedutoramente todos os dias no bar da escola. Ou quando me impediam de viver o sonho de ir à Disneyworld (ainda cresci sem a Disneyland Paris).

A oposição é mais óbvia do que parece. As crianças crescem na oposição. Vêem os pais presos ao telejornal e àqueles «programas de conversa» e pensam «como é possível gostarem de ver aquilo em vez de bonecos?» (eu sempre chamei bonecos aos desenhos animados). Olham para os gostos gastronómicos dos adultos e não compreendem, ficam espantados, senão mesmo com alguma repulsa. Costuma ser assim com a salada. Às vezes com a sopa (os meus esperançosos filhos perguntam sempre «hoje há sopa?», sabendo que há e que a vão ter de comer irremediavelmente). Os frutos secos. O vinho e a cerveja. O café. Os doces mais rebuscados, como a chila ou as trouxas de ovos. A estes gostos incompreensíveis, as crianças opõem os de sempre. Batatas fritas. Salsichas, hambúrgueres e pizzas. Chocolate (ora branco, ora preto). Sumos e coca-cola (esta para os que desde tenra idade convivem bem com as «bebidas de picos»). No Natal, o símbolo maior era o Bolo Rei. O Bolo Rei sempre foi coisa de adultos, para o qual qualquer criança olhava com desprezo e incompreensão. Só seduzia pelo aspecto colorido, pelo cheiro a bolo e pela lotaria do brinde (que, lamentavelmente, temo ter desaparecido). Nunca para comer!
E podia dar mais exemplos da oposição das crianças aos adultos, tantas eram (são) as incompreensões, o desprezo e até às vezes nojo (estejam descansados que vos pouparei ao confronto com o modo como as crianças inocentes olham para a descoberta dos «afectos» entre adultos). Fico-me pelo Bolo Rei.

À medida que vamos crescendo descobrimos, primeiro, que a inveja - aquela inveja - era verdadeiramente infantil. E ainda bem! Imagino os monstros que seriamos se vivêssemos como se ninguém mandasse em nós, como se tivéssemos uma carteira sem fundo e como se pudéssemos atender a todos os nossos desejos (e Deus sabe quão infantis ainda são alguns deles).

E deparamo-nos, depois, com a progressiva adesão aos gostos a que outrora nos opúnhamos. Começamos a gostar de estar informados - e vamos parando no telejornal. Já não vivemos sem uma boa sopa ou uma salada, por muito simples que seja a refeição. Preferimos um bom vinho a qualquer sumo (ainda que nutramos um carinho especial pelo tang). Não passamos sem o café, começamos a afeiçoar-nos à gastronomia mais complexa e por aí fora.

A determinada altura já somos nós que nos esforçamos por entrar nesse mundo de prazeres. Forçamos os primeiros goles de vinho – porque não gostar de vinho, como de cerveja ou de café, é socialmente inaceitável e não há quem não prefira pertencer ao grupo dos comuns, por muita personalidade que tenha ou goste de exibir. E, por isso, forçamos muitas mais coisas. Algumas delas directamente fundadas na nossa tradição familiar. O bolo, o prato, o programa, de casa dos avós, que os tios e os pais sempre gostaram, mas que não compreendíamos ou desprezávamos. Agora é a nossa vez de gostar. E queremos mesmo gostar para que o nosso testemunho esbarre hoje na incompreensão dos nossos filhos para morar amanhã, outra vez, no gosto ou no esforço da perpetuação dos costumes familiares.

Tenho que confessar que ainda vivo nalguma oposição. Não em tudo, claro. Mas nesta época de Natal, Ano Novo e Reis, sinto-me refém da oposição. Eu gostava de gostar de muitos dos doces de Natal, mas não consigo. Não é das rabanadas, que dessas sempre gostei. É desse mundo das frutas cristalizadas e do seu maior ícone que é o Bolo Rei.

Não consigo. Ainda não consegui. Mas eu gostava mesmo de gostar de Bolo Rei. Já não vai ser este ano.

#Saladeestar
#Cozinha

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

O Palacete

Há já algum tempo que queria ter uma casa. Por onde passar. Onde descansar. Onde espairecer.
No fundo, uma casa onde pudesse escrever o que me apetecesse, o que devesse e mesmo o que não pudesse.

Isto de escrever não é bem um gosto. É mais um ímpeto irresistível.

Procurei por essa casa durante demasiado tempo. Nunca com esmero ou um mínimo de dedicação. Hoje quis mesmo encontrá-la mas já não estava disponível. Dei sempre de caras com a resposta «esse endereço não está disponível». Refinei, e fui parar a um Palacete - a este Palacete. De porta aberta e totalmente em bruto, decidi entrar e tomar posse.

Aqui estou. Por aqui estarei. Não sei no que vai dar. Há algumas divisões que já têm destino. Ao salão de visitas já lhe dei o nome de «Porto». Ao escritório não resisti e já lhe pus uma placa na porta a dizer «Política». A sala de jogos tem destino traçado: «futebol e FCP». A sala de estar do dia a dia será o lugar de todos os assuntos. É lá que estão os jornais do dia, é por lá que me sento de comando na mão e é de lá que parto para as outras divisões do Palacete.

A Biblioteca só podia ser o «cantinho do Torga». Devo-lhe tanto do que sou e do que escrevo que seria uma falta de respeito não lhe destinar essa homenagem.

A sala de jantar e a cozinha não têm nome especial, mas terão assunto em função dos apetites do momento.

De vez em quando irei também ao jardim - que já chamei dos «devaneios». Acho que vai ser nos momentos ao ar livre que passarei pelos assuntos mais sérios. A ver vamos.

Os meus aposentos pessoais serão isso mesmo. Pessoais e por isso reservados. Não consigo imaginar-me sem esse espaço de reserva, desculpem.

Tal como o encontrei, mantê-lo-ei. O Palacete está e estará de portas abertas. Façam o favor de entrar.

José Maria Montenegro